Sou
mineira de Belo Horizonte, nascida nos anos 60, amante de música e poesia. Faço
curso de Criação Literária com Ronald Claver, escritor de Minas Gerais. Sou
formada em Sociologia, estudei Letras na UFMG com meu filho que, atualmente, é
professor de Literatura. Nasci com dificuldade de locomoção, o que não me
impediu de transpor as fronteiras dos meus horizontes com as asas da música e
da escrita.
O chá da verdade
De
manhã, ele virou um inseto. Ficou escondido atrás da moldura de uma gravura de
Dali. Quando viu Dalva, falou: “Oh, Dalva, não se assuste, sou eu, Jacinto.
Virei essa coisa que está vendo. Acho que foi o chá que encontrei em cima da
pia da cozinha. Quer tomá-lo para ver a reação”?
Dalva
se assustou. Aquilo tudo era muito inusitado! Ver seu marido se transformar em
um inseto a deixou nervosa.
-“Não,
prefiro não me arriscar”, disse Dalva. “Se eu tomar o chá e me tornar um
inseto, podemos sucumbir juntos. Alguém pode entrar aqui e nos pisotear. Ou a
gata pode nos comer depois de brincar bastante conosco e nos deixar confusos.
Vou permanecer como estou, pois desta forma posso cuidar de você”.
Dalva
resolveu guardar o chá e começou a pensar em como cuidaria de Jacinto. Arrumou
umas plantinhas para ele se alimentar, encheu um copinho com água e colocou
Jacinto em um lugar seguro onde a gata não podia alcançar. Com medo de
perdê-lo, começou a cuidar do marido mais do que cuidava anteriormente. A mulher
dedicava bastante atenção ao marido, coisa que antes não acontecia.
O
inseto Jacinto gostava do modo como estava sendo tratado. Quando era humano,
Dalva nunca se incomodava com ele. Estava sempre preocupada com os afazeres da
casa, com o cuidado com seu cabelo, sua pele, seu corpo. Ele sempre ficava em
segundo plano. Chegou, então, à conclusão de que a metamorfose tinha ocorrido
para o seu próprio bem. E ficou feliz por isso. Dalva, por sua vez, achava bom
cuidar do marido-inseto. Além de exigir menos trabalho, ele requeria pouca
atenção, se distraía com mínimas coisas, com uma brisa que soprava ou com um
companheiro que entrava, de repente, pela janela. O mundo agora tinha se
tornado grande e repleto de novidades para Jacinto. A vida ficou mais fácil
para o casal. Ambos estavam felizes com o novo arranjo.
Dalva
foi se acostumando com a ideia de ver Jacinto assim tão minúsculo, tão frágil e
vulnerável a qualquer movimento impensado seu ou de outra pessoa. Às vezes, até
se esquecia de que ele estava ali, no quarto. No entanto, uma coisa não saía de
sua cabeça: será que era mesmo aquele chá que tinha provocado a metamorfose de
Jacinto? Ela já havia tomado o chá várias vezes e nunca percebeu mudanças, a
não ser um vigor maior, uma disposição para trabalhar e fazer coisas. Resolveu
tomar o chá novamente para testar se viraria inseto também. Afinal, que mal
faria se isso acontecesse?
Jacinto
estava contente com a nova vida e ela poderia experimentar novas emoções.
Tomou
o chá. Sentou-se no sofá e esperou pra ver se teria alguma reação. Passaram-se
duas, três horas e...nada. O que sentiu foi o mesmo das outras vezes: uma
grande disposição para sair e realizar coisas. E assim fez. Foi para o salão,
se embelezou, comprou roupas novas, foi ao cinema, tomou um chopp com as
amigas. Começou, então, a tomar o chá todos os dias. Sua vida se transformou,
Dalva era uma nova mulher. Um dia, começou a namorar Herivelto, seu vizinho de
porta. Não contou para ele que Jacinto havia virado um inseto, disse que tinha
ido embora pra sua cidade natal. Também não contou nada para Jacinto, que
percebia a mudança da mulher, mas continuava feliz em seu novo mundo.
Dalva
e Herivelto resolveram se casar. Herivelto se mudou para a casa dela. Ao ver o
que estava acontecendo, Jacinto ficou muito incomodado, mas já não conseguia
falar o que sentia com Dalva. Apenas emitia alguns sons incompreensíveis.
Resolveu, então, dar umas mordidas em Herivelto quando escurecia.
Herivelto,
vendo aquele inseto insistente zumbindo em seu ouvido e lhe dando picadas à
noite, ficou muito incomodado. Pegou um inseticida e borrifou em Jacinto, que
teve morte instantânea. Dalva, ao ver a cena, se calou. Pegou uma caixa de
fósforos e, enternecida, colocou nela o corpinho frágil de Jacinto e o enterrou
no vaso de plantas da sala.
Dalva
e Herivelto viveram felizes por muitos anos. Porém, com o tempo, Dalva começou
a se cansar daquela vida. A rotina do casal a deixava entediada. Seu espírito
era livre e ansiava por novidades. Um dia, Herivelto chegou em casa e encontrou
uma xícara de chá em cima da pia. Com sede, bebeu todo o chá. Dalva, ao entrar
na casa, não viu o marido. De repente, escutou uma voz: “Oh, Dalva, não se
assuste, sou eu, Herivelto. Virei essa coisa que está vendo. Acho que foi o chá
que encontrei em cima da pia”.
3 comentários:
Muito bom, gostei da criatividade.
Lindo
Esse conto parece uma versão moderna de A Metamorfose de Franz Kafka.
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