domingo, 31 de maio de 2009

Anos 70.

Nos anos 70, alguns de nós fomos de criança a adolescência, não sabiam e nem entendiam o porquê daqueles jipes e caminhões verdes do exército que passavam pelos bairros todos os dias por várias vezes.
Às vezes eles vinham com aquele rabecão (carro veraneo de cores branca e preta utilizadas pela polícia civil da época). Nós éramos alertados pelos pais para não ficarmos nas esquinas parados a conversar, melhor que ficássemos no portão das casas. Na escola havia uma professora dona Regina que gostava de teatro ela contava para pequenos grupos que os militares tinham medo das pessoas inteligentes, por isso sempre alguém, amigos dela eram levadas presas para dar depoimentos sobre a profissão e ameaçados para não falar mal dos militares.
Certo dia eu e João entramos no bar do Tião na beira do campo do bairro e como lá havia várias mesas de sinuca daquelas grandes, nós ficávamos do lado de fora olhando, era proibida a entrada de menores nos bares. Mas a gente ia de fininho e sentávamos nos bancos do canto para assistir as partidas e de vez em quando o Tião tocava a gente de lá, dizendo:

- Vocês tão querendo me complicar, eles fecham o meu estabelecimento.

Mas a gente voltava quando o balcão estava cheio entrando de fininho. Um dia estava no fundo e chegou o caminhão verde do exército, desceram mais de uma dúzia de homens, ficaram distribuídos, alguns na porta outros dentro no corredor do balcão. Eu e o João ficamos no canto tremendo de medo, um dos homens veio pedindo documentos de todas as pessoas que estavam dentro do bar, outro veio até nós e disse que saíssemos o mais rápido, quando passamos pelo corredor do balcão vários soldados estavam em forma de fila formando um corredor e cada um deu um tapão em nossa cabeça e diziam alto:

- Não corram senão leva um coque de cima pra baixo.

Quando chegamos perto da porta, começamos a correr e sem olhar para trás, subi a minha rua em disparada, foi então que vi o João também correndo na direção do meu portão que ficava longe da rua dele. Estávamos tremendo e com os olhos cheios d’água de medo e nem pensar em falar do acontecido em casa, senão seria castigo no ato.

- Quando tomamos tento do que era a ditadura e suas masmorras, já estávamos no fim dos anos 70.


10/05/2008.

domingo, 24 de maio de 2009

Apagão

Renato foi passar um fim de semana prolongado na fazenda do pai que no feriadão esperava-se filho, filha e cunhados, cunhadas, sobrinhos e netos. A fazenda ficava no interior, sexta-feira à noite o pessoal começava a chegar aos poucos, vindo do Rio, SP, Minas e vinha-se com todas as tralhas, como colchões e roupas de cama para os filhos, visto que, não havia cama e quartos para todos. D. Lola já deixava uma panela com a famosa sopa de fim de noite e uma mesa regada a bolos, café e sucos para as crianças.

Na primeira noite foi uma zorra, as crianças foram colocadas em um quarto com os colchões espalhados pelo chão, à sala ficou para os homens e em dois quartos foram divididas as mulheres.
Todos demoraram a dormir muitas conversas e assuntos para colocar em dia, alguns não se viam a mais de seis meses.

Pela manhã seu Pedro e D.Lara foram os primeiros a acordar e foram seguidos pelas crianças, aos poucos todos foram levantando devagar. Após o café o pessoal foi se espalhando pelo curral, estábulo, açude e pomar. O avô colocou as crianças sobre a carroça e foram passear pela rua que dava na fazenda.

Hora do almoço outro alvoroço, pratos diferenciados para as crianças e por que não para os adultos também. Terminado o almoço as mulheres fizeram um mutirão para lavar as louças e em 30 minutos tudo estava no lugar e limpo. Os pais já pensavam como divertir as crianças pela noite, tinham trazido cd de filmes, televisões e aparelhos de vídeo game. O avô gostava de contar histórias do passado e fatos acontecidos na fazenda, outros novos investimentos como a plantação de mamonas para o bio-diesel um projeto da prefeitura local.

E chegou a noite o jantar estava sendo preparado e de repente; - a luz apagou!

Desespero geral das crianças e dos adultos a procura de velas e lanternas o avô tentou acalmar a todos dizendo que seria uma falta passageira, certamente era a companhia fazendo manutenção já que não estava ameaçando chuva. O tempo foi passando e após 50 minutos resolveram jantar a luz de velas. Passado o jantar continuou a falta de energia, então, entraria o plano B para divertir as crianças;

- mas com que? - tudo o que havia eram aparelhos eletrônicos, não tinha jogo de dama, jogo da velha ou bingo.

Então começaram as reclamações, noras emburradas, netos e sobrinhos achando diferente aquela situação. Um cunhado falando em ir embora e seu Pedro chamando alguns de urbanos.
O fim de semana estava no primeiro dia e já em emissão de acabar e duas horas depois a energia não voltara.
O avô tentava acalmar a situação explicando que sempre acontecia a queda de energia.
A avó já estava ficando triste ao ouvir comentários de alguns que demonstravam arrependidos de terem vindo.
Renato o filho mais velho tentou e reuniu o pessoal adulto na sala, tentou explanar um pouco a situação da falta de luz, como ali mesmo na fazenda a energia só havia chegado a dez anos e que antes só tinha o velho gerador.

Foi aí que o filho de Renato de sete anos falou; - então liga o gerador!

O senhor Pedro explicou que o gerador estava na garagem e que não ligavam o motor a mais de dois anos. Renato propôs que os homens se reunissem para tentar fazer o gerador funcionar. As crianças adoraram a idéia, as mulheres se animaram, a avó explicou que a falta de luz não era problema e que o fogão a lenha tinha serpentina e não faltaria água quente para o banho e propôs preparar massas para bolo e pizza.
Os grupos foram reunidos, os homens para a garagem, o grupo das crianças que em fila indiana foram fazer um passeio pelas trilhas da fazenda com lanternas na mão e guiados pelo avô. O grupo das mulheres dividiu-se entre preparar massas e tomar banho, pois se você quer deixar uma mulher nervosa é a possibilidade de ela deitar sem banho.
O grupo mais preocupado era o do gerador, tinham a responsabilidade de fazer a coisa (energia) acontecer e salvar o fim de semana. As crianças voltaram do passeio e direto para a cozinha comer bolinhos de chuva com Nescal e em seguida foram para o quarto e se jogaram nos colchões espalhados pelo chão, os menores dormiram e os maiores ficaram falando da aventura na trilha escura, como sapos, rãs pulando no açude e morcegos voando baixo.
Exatamente às 23h40min uma luz fraquinha clareou a sala e a cozinha, o gerador estava funcionando. O grupo da garagem comemorou com gritos e palmas, todos com as mãos sujas, após o trabalho árduo sobre aquele gerador, entraram na casa, orgulhosos do trabalho executado. Passava das 3 h da manhã quando resolveram deixar as cervejas quentes, algumas doses de pingas da casa, lingüiças fritas e bolinhos de chuva.

Pela manhã todos estavam animados apesar do cansaço, resolveram executar tarefas até à hora do almoço como lavar a camionete, esticar a fiação que levava luz a lâmpada na entrada da fazenda, limpar o paiol, mesmo para as crianças foram passadas pequenas tarefas e para as mulheres a limpeza da casa.

- O que foi um incômodo do apagão gerou uma terapia do trabalho, diferente do stress do trabalho da cidade onde o cansaço não era mental, sim físico e este tinha um remédio, estirar-se no colchão a sombra da varanda fresca naquela tarde de domingo.

21/04/2009.

sábado, 16 de maio de 2009

O ribeirão e Visão.

... O ribeirão.

Muitos anos atrás quando quase adolescente um menino tomava banho num pequeno ribeirão que passava pelo seu bairro e desaguava no Rio Paraíba do Sul. Juntos a molecada da rua todos os sábados na parte da tarde saiam de casa para tomar banho no ribeirão, depois da bola no campinho na beira do ribeirão.
Era um riozinho estreito de águas claras o ribeirão que passava pelo seu bairro, vinha lá não sabia de onde, só sabia que não tinha bosta, foi o que tinha ouvido de uma lavadeira certa vez. Elas vinham sempre cedo aos sábados com suas bacias cheias de roupas, falavam alto, esfregavam as roupas e as colocavam para quarar sobre a grama baixa e depois mais enxágües nas águas claras do ribeirão que passava pelo seu bairro.

- Hoje, ele é um rio de bosta.

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Visão.

Pela primeira vez,
...eu a vi.
Amanhã certamente,
...a verei.
...hoje eu a vi.
...hoje eu a vi.
...hoje eu a vi.
Hoje é sábado,
...não a vi,
...porque não fui.
Domingo também,
...não a verei.
Na segunda-feira,
certamente a verei.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Conhaque com sal

Em 2000 estávamos eu e alguns amigos a trabalho fora da nossa região. Nos fins de semana quase todos viajavam para cidades vizinhas às vezes devido ao tempo, como frio ou chuva, ficávamos na cidade e procurávamos coisas para fazer como visitas a monumentos ou museus e almoçar tarde em um restaurante chinês. A cada quinze dias em uma localidade próxima tinha uma grande feira que vendia roupas, eletrônicos e muita comida.

Resolvemos ir à feira no sábado, nos encontramos pela manhã e fomos andando pela orla, cerca de 40 minutos. No caminho um de nossos amigos estava resfriado e já mostrando que viria uma gripe forte pela frente, outro da turma receitou uma bebida quente em pequenas doses, para ser mais preciso uma dose a cada duas horas “conhaque com sal” não levamos a sério, mas tinha um pouco de razão, a bebida era quente.

Chegando a rua da feira nosso amigo logo procurou um bar e pediu uma dose de conhaque com sal, tomou e saiu a visitar as barracas e todas as novidades que havia. Passado algum tempo resolvemos fazer um lanche e entramos em uma lanchonete, cada um fez seu pedido e nosso amigo pediu outro conhaque com sal. Voltamos à feira para a parte de roupas e mais tempo, entre serve ou não serve para levar pro filho, mulher e finalmente após três horas de vai e vem resolvemos ir embora e nosso amigo sumiu, procura daqui e dali o encontramos em outro bar bebendo outra dose de conhaque com sal.

Reunida à turma, entre pacotes e bolsas saímos da feira e pegamos o caminho de volta para casa. Nosso amigo já estava meio tonto, falava enrolado e meio mole das pernas e o caminho era longo. Em menos de quinhentos metros sentamos em um banco para que nosso amigo respirasse, retomamos a caminhada, mais um tempo outro banco, então pegamos suas bolsas e sacolas para outro levar. Mais algum tempo e foi ficando pior e já destacamos um outro amigo para ser a âncora, pois o cara já estava mal.

Levamos certa de duas horas para chegar a casa e o pior que além da gripe forte que veio depois, nosso amigo ainda ficou dois dias com problema de estômago devido ao maldito conhaque com sal que não receito para ninguém.


2009.