segunda-feira, 26 de abril de 2021

Segundo conto com melhor pontuação no I Concurso de Contos Curtos - Sebo do Edy - 2021.

 

Sou mineira de Belo Horizonte, nascida nos anos 60, amante de música e poesia. Faço curso de Criação Literária com Ronald Claver, escritor de Minas Gerais. Sou formada em Sociologia, estudei Letras na UFMG com meu filho que, atualmente, é professor de Literatura. Nasci com dificuldade de locomoção, o que não me impediu de transpor as fronteiras dos meus horizontes com as asas da música e da escrita.

 

O chá da verdade

 

De manhã, ele virou um inseto. Ficou escondido atrás da moldura de uma gravura de Dali. Quando viu Dalva, falou: “Oh, Dalva, não se assuste, sou eu, Jacinto. Virei essa coisa que está vendo. Acho que foi o chá que encontrei em cima da pia da cozinha. Quer tomá-lo para ver a reação”?

Dalva se assustou. Aquilo tudo era muito inusitado! Ver seu marido se transformar em um inseto a deixou nervosa.

-“Não, prefiro não me arriscar”, disse Dalva. “Se eu tomar o chá e me tornar um inseto, podemos sucumbir juntos. Alguém pode entrar aqui e nos pisotear. Ou a gata pode nos comer depois de brincar bastante conosco e nos deixar confusos. Vou permanecer como estou, pois desta forma posso cuidar de você”.

Dalva resolveu guardar o chá e começou a pensar em como cuidaria de Jacinto. Arrumou umas plantinhas para ele se alimentar, encheu um copinho com água e colocou Jacinto em um lugar seguro onde a gata não podia alcançar. Com medo de perdê-lo, começou a cuidar do marido mais do que cuidava anteriormente. A mulher dedicava bastante atenção ao marido, coisa que antes não acontecia.

O inseto Jacinto gostava do modo como estava sendo tratado. Quando era humano, Dalva nunca se incomodava com ele. Estava sempre preocupada com os afazeres da casa, com o cuidado com seu cabelo, sua pele, seu corpo. Ele sempre ficava em segundo plano. Chegou, então, à conclusão de que a metamorfose tinha ocorrido para o seu próprio bem. E ficou feliz por isso. Dalva, por sua vez, achava bom cuidar do marido-inseto. Além de exigir menos trabalho, ele requeria pouca atenção, se distraía com mínimas coisas, com uma brisa que soprava ou com um companheiro que entrava, de repente, pela janela. O mundo agora tinha se tornado grande e repleto de novidades para Jacinto. A vida ficou mais fácil para o casal. Ambos estavam felizes com o novo arranjo.

Dalva foi se acostumando com a ideia de ver Jacinto assim tão minúsculo, tão frágil e vulnerável a qualquer movimento impensado seu ou de outra pessoa. Às vezes, até se esquecia de que ele estava ali, no quarto. No entanto, uma coisa não saía de sua cabeça: será que era mesmo aquele chá que tinha provocado a metamorfose de Jacinto? Ela já havia tomado o chá várias vezes e nunca percebeu mudanças, a não ser um vigor maior, uma disposição para trabalhar e fazer coisas. Resolveu tomar o chá novamente para testar se viraria inseto também. Afinal, que mal faria se isso acontecesse?

Jacinto estava contente com a nova vida e ela poderia experimentar novas emoções.

Tomou o chá. Sentou-se no sofá e esperou pra ver se teria alguma reação. Passaram-se duas, três horas e...nada. O que sentiu foi o mesmo das outras vezes: uma grande disposição para sair e realizar coisas. E assim fez. Foi para o salão, se embelezou, comprou roupas novas, foi ao cinema, tomou um chopp com as amigas. Começou, então, a tomar o chá todos os dias. Sua vida se transformou, Dalva era uma nova mulher. Um dia, começou a namorar Herivelto, seu vizinho de porta. Não contou para ele que Jacinto havia virado um inseto, disse que tinha ido embora pra sua cidade natal. Também não contou nada para Jacinto, que percebia a mudança da mulher, mas continuava feliz em seu novo mundo.

Dalva e Herivelto resolveram se casar. Herivelto se mudou para a casa dela. Ao ver o que estava acontecendo, Jacinto ficou muito incomodado, mas já não conseguia falar o que sentia com Dalva. Apenas emitia alguns sons incompreensíveis. Resolveu, então, dar umas mordidas em Herivelto quando escurecia.

Herivelto, vendo aquele inseto insistente zumbindo em seu ouvido e lhe dando picadas à noite, ficou muito incomodado. Pegou um inseticida e borrifou em Jacinto, que teve morte instantânea. Dalva, ao ver a cena, se calou. Pegou uma caixa de fósforos e, enternecida, colocou nela o corpinho frágil de Jacinto e o enterrou no vaso de plantas da sala.

Dalva e Herivelto viveram felizes por muitos anos. Porém, com o tempo, Dalva começou a se cansar daquela vida. A rotina do casal a deixava entediada. Seu espírito era livre e ansiava por novidades. Um dia, Herivelto chegou em casa e encontrou uma xícara de chá em cima da pia. Com sede, bebeu todo o chá. Dalva, ao entrar na casa, não viu o marido. De repente, escutou uma voz: “Oh, Dalva, não se assuste, sou eu, Herivelto. Virei essa coisa que está vendo. Acho que foi o chá que encontrei em cima da pia”.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Conto com melhor pontuação no I Concurso de Contos Curtos - Sebo do Edy - 2021

 

Samuel Procópio Damasceno Couto, estudante de História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Idade de 22 anos, morador da cidade de Juiz de Fora/MG. 

 

AO SOM DE BEETHOVEN

 

Dona Ana acordava todos os dias às cinco horas da manhã. Era de rotina: o dom de acordar. Era uma senhora de cabelos curtinhos e brancos, pele negra, alta e magra de 94 anos.

Dona Ana morava sozinha, digo: mova com suas plantas (samambaias, lírios da paz, suculentas variadas, cactos espinhosos, roseiras brancas e vermelhas, um mini coqueiro e um pé de goiaba), três gatos (Juninho, Sansão e Lala), um pássaro sem nome e um peixe chamado Beethoven. Ela vivia com essa contradição que abrigada em sua casa (gato, planta, peixe e pássaro), Dona Ana se mantinha ocupada. Ora defendendo o peixe dos gatos ou as plantas da sede e do forte sol, e distraindo o passarinho com assobios para que não enlouquecesse na gaiola.

Dizem que a casa de Dona Ana estava um brinco! Ela mesma limpava tudo, com muito capricho. E ainda dizia que ser independente era o segredo da longevidade saudável. Cotidianamente limpava e sujava a casa. Sujava pratos e os lavava. Molhava o box do banheiro e o secava. Bagunçava a cama e arrumava impecavelmente: como se uma rainha fosse deitar. Sujava a roupa e no tanque com as mãos enverrugadas lavava.

Como se não bastasse ser possuidora de si, dos cuidados de sua casa: até o terreno abandonado da rua, onde todos jogavam lixo: por Dona Ana era cuidado. No fundo de seu coração, Dona Ana escondia o medo de se tornar um lote abandonado.

Para muitos era comum ver Dona Ana capinando e varrendo o lote abandonado.

Ela não deixava nem o mato crescer: três vezes por semana, capinava o lote abandonado. Um lote que nem era seu, mas ela não deixava ter cara de abandono. O lote era seu vizinho.

Dona Ana era um mistério. Um mistério talvez até para si mesma. Vivera a vida inteira na mesma casa. Dona Ana era como um peixe no aquário, um pássaro engaiolado, uma bela planta no vaso ou um gato atrás do muro.

O que os fofoqueiros da rua sempre comentavam era que Dona Ana, quando jovem, havia sido abandona no altar. E depois disso: fechou-se para o mundo. Outros falavam que o marido a batia muito e agora viúva: ficara desgostosa em investir em novos relacionamentos. Uns diziam que era uma velha doida, feia, chata e mal amada.

A realidade era que em sua intimidade, Dona Ana possuía lucidez de memórias em ter sido amada, respeitada e querida pelos seus de sua geração. Era a última ainda viva de sua geração de círculo de vivência. Já perdera pai, mãe, irmãos, primos, tias, avós, amores e amigos. Por isso Dona Ana ficava em sua casa: lá era o seu túmulo de vida que construiu com muita luta. Luta que não possuía mais os olhos que testemunharam de sua época, que hoje estão eternamente fechados e secos de tempo. Por isso Dona Ana era muito mal vista por olhos que não conheciam a doçura de Aninha no amargor sério que a palavra “Dona” pesava ao nome: Ana. Era dona apenas de si. Era simples: Ana. A letra “n” era a única ponte entre os dois “as” .

Numa madrugada antes das quatro horas, Dona Ana perdera o dom de acordar as cinco. Dizem que a encontraram deitada, com uma camisola rendada, que descobriram ter sido tecida por ela mesma. Na parede de sua casa havia um diploma de licenciatura em Línguas. Na cabeceira da cama havia um livro de poesias de sua autoria. E na cama estava a autora.

Neste dia, foi impossível entrar em sua casa e não se emocionar com os retratos de tanta gente que fizera parte da história de Dona Ana. O piano envernizado na parede, com partituras amarelas de “Clair de Lune” de Debussy e uma coleção de discos de Edith Piaf. Na casa possui pinturas por Dona Ana finalizadas e paisagens, faces inacabadas. Como não tivera filhos e nem marido: os herdeiros de Dona Ana foram ex-alunos que vieram do mundo inteiro se despedir da professora marcante.

O que chamara atenção da vizinhança a procura de Dona Ana, não fora cheiro forte, nem carteiro buscando proprietário. O que atraiu as pessoas para irem ver o que estava acontecendo foi altíssimo som de Beethoven debaixo da água: pedindo ar, não para si, mas para Dona Ana que estava afogada em sono eterno. Dizem que partira devido um infarto e seu último gesto, antes de mergulhar em sono eterno: foi soltar o pássaro e lhe dar o nome: Liberdade. Em seguida: apagou a luz, deitou na cama, por conseguinte: os três gatos já em luto velaram seu sono e seu último pedido foi dormir ao som de Beethoven.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Resultado do I Concurso de Contos Curtos - Sebo do Edy

 

Resende – Rio de Janeiro – 07.04.2021

Resultado do I Concurso de Contos Curtos – Sebo do Edy - 2021.

 

Agradecemos a todos os participantes e parabenizamos os classificados.

Queremos agradecer a todos os participantes de todas as regiões do Brasil e exterior como Angola, Portugal, Itália e Moçambique.

Os diplomas serão entregues via e-mail, assim como o livro virtual em PDF.

 

Segue abaixo a lista dos 15 classificados:

 

Alberto Arecchi – Pavia /Itália. (A dona do Rio)

Anderson Almeida Nogueira – Cachoeira de Macacu/RJ. (Costume)

Danubio Brigido Alfredo – Maputo/Moçambique. (A casa abandonada)

Evandro Valentim de Melo – Brasília/DF. (Depois do café)

Flávia Gonçalves Medeiros – Quatis/RJ. (Os frutos e a intolerância)

Geraldo Trombin – Americana/SP. (Carta aberta a um coração fechado)

Glauber Costa Fernandes – Manacapuru/AM. (O uirapuru na janela)

Jonatan Magella da Silva – Nova Iguaçu/RJ. (Visita surpresa)

Júlia Magalhães Aguiar Cardoso – Rio de Janeiro/RJ. (Você)

Léo Ottesen – Rio Grande/RS. (O pássaro azul)

Maria de Fátima Arruda Lanna – Belo Horizonte/BH. (O chá da verdade)

Paulo Cezar Tórtora – Rio de Janeiro/RJ. (O punhal)

Roberto Schima – Salto/SP. (Semelhança)

Rosângela de Oliveira Martins – Vitória de Santo Antão/PE. (Christine)

Samuel Procópio Damasceno – Juiz de Fora/MG. (Ao som de Beethoven)

 

Edmilson Naves de Oliveira – Organizador responsável.