sexta-feira, 6 de outubro de 2017



A pequena Glória - (Este texto foi classificado e está na revista MarinaTambalo do mês de Setembro)

Edmilson Naves de Oliveira


Eu acordo sempre cedo perto das seis e quinze da manhã. Eu mesmo arrumo a mesa, coloco a água do café e o leite para esquentar, faca e colher, manteiga e pão. É um ritual antes de sair para o escritório todos os dias. Pego minha pasta abro a porta do apartamento e já dou de cara com a dona Lúcia uma senhora de quase oitenta anos varrendo o corredor. Ela faz isso desde quando me mudei para cá há mais de quinze anos. Nunca desço ou subo de elevador até o terceiro andar são seis vãos de escada que faz bem a saúde. Chego ao hall que está vazio. Já não temos porteiro está muito caro, são somente doze apartamentos e todos os moradores são idosos e só temos crianças ou netos nos fins de semana e alguns gostam de receber as cartas e distribuir, se oferecem para pagar as contas é uma total harmonia aqui. Daqui para o meu trabalho é trinta minutos a pé o que faço com prazer e vou descendo já com a chave do portão na mão e ao abrir o portão me deparo com uma cena chocante, mas corriqueira que é gente deitada ao pé do portão. Só que nesta manhã meu coração doeu e até palpitou forte, estava ali deitada sobre um papelão com uma coberta fina e suja uma menina que aparentava uns dez anos no máximo. Olhei ao redor e gente passando pela calçada e o mais triste que na sua pressa as pessoas viram o rosto para o lado oposto, para talvez não sentir a dor que eu senti quando me deparei com a cena. E o que fazer naquela situação passar a chave no portão e sair caminhando na direção oposta. Olhei para os lados buscando a família ou a mãe daquela menina e ninguém por perto. E num ato impensável resolvi acordar a menina, ela despertou assustada eu do lado de dentro do portão e ela do lado de fora, perguntei se ela queria café, ela meio séria e desconfiada balançou a cabeça que sim, pedi para ela esperar, entrei no hall e peguei o elevador eu tinha pressa ela podia pegar suas bugigangas e ir embora sem comer, quando desci com o copo de café com leite e um prato com pão e biscoitos ela estava de pé em frente ao portão. Quando passei a chave no portão e olhei nos olhos dela ela sorriu, entrou sentou na escada, devorou o pão e sem olhar nos meus olhos falou baixinho: - meu nome é Glória! Eu peguei o prato e disse a ela que iria buscar mais biscoitos e subi de elevador pela segunda vez em vinte minutos, entrei em casa e fui direto ao telefone e liguei para minha filha e pedi a ela que viesse rápido, desci com os biscoitos e em menos de meia hora minha filha chegou, conversamos com a pequena Glória por um bom tempo, de onde vinha se tinha casa, mãe e pai, quanto tempo estava nas ruas e etc. E hoje depois de quinze anos ao abrir o portão para dar minha caminhada vejo a imagem daquela menina deitada no meu portão. O celular toca e ao atender é Glória me ligando de São Paulo para dar bom dia, ela me liga todos os dias pontualmente às sete horas, pois foi à hora que a encontrei no portão, me deseja um bom dia e envia um beijo. Diz que está saindo para a faculdade e que no fim de semana virá me visitar e diz: - Te amo, vovô!

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